Ela
não garante o interesse de ninguém no longo prazo
Vivemos
em um mundo obcecado pela beleza humana. Ela está na televisão, nos filmes, nas
capas das revistas, no balcão das lojas do shopping e no restaurante descolado,
onde garçons e garçonetes parecem todos modelos.
A
beleza nos é oferecida em doses enormes, em vários formatos, para todos os
gostos e gêneros. Há loiras altas, morenos fortes, jogadores de pernas grossas
e cantoras de barrigas impecáveis. A beleza nos enche os olhos. É um colírio
grátis, permanente e intoxicante.
Num
ambiente desses, talvez seja inevitável imaginar que beleza é a coisa mais
importante do mundo – em nós e nos outros.Essa ilusão circula amplamente por
aí, por um motivo simples: a beleza atrai a atenção das pessoas como talvez só
a violência consiga com a mesma intensidade.
Diante
de uma cena de agressão ou de uma ameaça de agressão, os nossos sentidos se
crispam. Quando uma mulher bonita entra pela porta (imagino que um homem bonito
cause o mesmo efeito), as sensações também se alteram, mas desta vez na direção
do prazer.
A
beleza nos torna atenciosos e solícitos, ao menos por algum tempo. É por isso
que ela funciona tão bem nos filmes, nas novelas, na publicidade. O prazer de
olhar sequestra os nossos olhos e monopoliza a nossa atenção. Na outra direção,
ela dá às pessoas bonitas a certeza de que serão notadas – e a ilusão de que
serão amadas.
Mas
isso é totalmente bobagem, não é? Todo mundo sabe, ou deveria saber, que a
aparência tem um papel importante mas limitado nas relações humanas.
Pense
no caso da moça bonita que começou a trabalhar no escritório. Na primeira
semana não se fala de outra coisa. Ela é um objeto que os olhos devoram
incansavelmente. Passados uns dias, as pessoas se acostumam e o fascínio diminui,
até que ela se torne como as outras, uma pessoa normal. Se a moça for uma
chata, uma boba, ou uma mosca morta, o processo de “normalização” é ainda mais
rápido.
Isso
acontece porque, na vida real, nós fazemos contato com a totalidade das
pessoas: seus sentimentos, seus modos, sua inteligência, seu humor, seu charme
ou sua integridade. As relações humanas reais formam uma teia densa, complexa,
na qual a beleza é apenas um componente - relevante, mas não absoluto.
É
possível colocar um planeta inteiro apaixonado pela Shakira ou pelo Tom Cruise
porque ninguém tem contato com eles. São apenas imagens bonitas, nas quais as
pessoas projetam qualquer tipo de sentimento. Mas ponha o Reynaldo Gianecchini
ou a Sabrina Sato para trabalhar na mesa ao seu lado. Em uma semana você vai
estar reclamando de que ela ri muito alto ou que ele é folgado e se espalha
demais para sentar. De perto, todo mundo é meio mala.
E
quando se trata de namorar? Em princípio, claro, todo mundo quer gente bonita.
Quanto mais bonita, melhor, na verdade. Mas basta olhar em volta pra perceber
que não é nada disso.
Aquele
sujeito que faz o maior sucesso com as meninas do trabalho, por exemplo. Ele
chega ao churrasco da firma com uma mulher que ninguém acha bonita – mas pela
qual ele é maluco. E a moça linda, coitada, que dança miudinho na mão de um
namorado esquisito e tirânico que só ela acha irresistível? Claro, há aquela
garota da praia, absurdamente sensual, com quem o seu amigo saiu duas vezes e
não quis mais nada – e agora é ela quem fica pegando no pé dele.
É
isso, não é? Beleza, nas relações amorosas, vai até a página dois ou três.
Depois tem de incrementar com outras coisas. Ou acaba.
Olhar
para a sua garota e achá-la arrebatadoramente linda tem mais a ver com estar
apaixonado por ela do que com o fato de ela ser realmente tão bonita. Se ela
fosse apenas bonita e você não gostasse mais dela, o olhar seria outro.
Vale
o mesmo das mulheres para os homens. Quando elas dizem que nós somos bonitos, a
mensagem realmente importante é: eu gosto de você, eu vejo beleza em você. Eu estou aqui com
você há 10 anos, há um ano ou há seis meses e continuo interessada no que você
diz e faz, naquilo que você é. Por isso, continuo achando você bonito.
Na
vida real, a percepção da beleza é mais importante do que a beleza. E tem a ver
com uma monte de coisas, inclusive a aparência.
(Alguém Especial de Ivan Martins)