(Pantanal
de Mato Grosso do Sul – Brasil)
Eu sempre tive uma atração irresistível pelos
cenários e por pessoas simples porque sinto, a partir deles, um chamamento de
significados que me aprumam em prol das mais profundas necessidades espirituais
e materiais, tudo num desenho único.
Sempre fui encantada pela simplicidade das
coisas e pessoas prosaicas, sempre desprezadas na grandiosidade dos temas
metafísicos e do cotidiano imponente dos grandes problemas estruturais da
humanidade contemporânea, como o cu da formiga citado num poema de Manoel de
Barros. Coisas e pessoas inexistentes pela sua aparente desnecessidade no
imaginário humano superior. Por isso que sinto que a poesia de Manoel de Barros
é para ser lida com o gozo infantil de mergulhar os pés num riacho, de rabiscar
cores num papel qualquer, de seguir longamente os passos de uma formiga pelo
tapete da sala.
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“Um
passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore. Meu irmão aceitou de ser a
árvore daquele passarinho.
No
estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol, de céu e de lua mais do
que na escola.
No
estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo mais do que os padres lhes
ensinavam no internato.
Aprendeu
com a natureza o perfume de Deus seu olho no estágio de ser árvore aprendeu
melhor o azul e descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida no tronco das
árvores só serve pra poesia.
No
estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas. Que
justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara, envaidecia-se
quando era nomeada para o entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura
que os lírios deixavam nos brejos.
Meu
irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore porque fez amizade com
muitas borboletas.”
(MANOEL
Wenceslau Leite de BARROS – Cuiabá, 19 de dezembro de 1916)