dimanche 19 février 2012

UM RAPAZ...UM SUSPIRO...


Esses dias, no Le Pain... em Pinheiros, um ambiente tranquilo e aconchegante para um café, ficamos lembrando os tempos de escola. Sabem que depois de uma certa idade as pessoas gostam de lembrar o passado, a infância, a adolescência; em geral são coisas boas que nos vêm à memória, os momentos agradáveis. Lembrávamos de nossos professores; todos tinham um caso para contar, eu tinha um professor que era assim, outro tinha um professor que era assado. E perguntavam a mim se não tinha nada para contar, porque estava quieta o tempo todo. Sou tagarela, mas nesse dia estava muito calada.
Respondi que não lembrava nada que fosse interessante. Na verdade, estava mentindo porque eu tinha, sim, algo a contar. Mas não o faria porque não queria chorar na frente de todos. Ainda sou daquelas pessoas que tenta não demonstrar algumas emoções que devem ser só minha. Nunca. Eu não daria esse vexame. Mas pensando bem, vou contar porque esta é uma história que só contamos para nossos confidentes, eu considero você aqui como um confidente. Quero falar de uma pessoa que amei, esse amor de adolescente. Peron. Um rapaz que conheci quando ainda cursava o segundo grau.
Eu tinha uns dezessete anos. Eu era uma moça cheinha, cabelos longos encaracolados, desengonçada, ainda. Tímida. Muito tímida mesmo. Não conseguia conversar por muito tempo com um rapaz: ficava como um pimentão maduro começava a gaguejar. Minhas amigas riam de mim, e o resultado é que me sentia muito mal e, meu Deus, quando tinha que conversar com um rapaz, mais tímida eu ficava. Às vezes ficava com vontade de morrer. Verdade, palavra.
De minha família também não podia esperar muito apoio. Eu era a mais velha de três irmãos; morávamos em uma casa em um sítio nos arredores da cidade. Meu pai criava gado leiteiro e entregava leite nas casas com uma carroça de animal para sustentar a família. Era um homem forte, enérgico e radical. Minha mãe, uma professora, mas tirava leite, levantava todos os dias de madrugada, e ia para a lida no retiro onde os animais eram ordenhados. Meu irmão tratava das vacas e entregava o leite nas casas junto com meu pai. Eu cuidava da limpeza da casa e só estudava. Minha irmã ainda pequena estudava em uma escola que fazia fundos com o sítio, e a tarde colhia frutas do pomar e depois saia para vendê-las na vila.
Vivíamos com muitas dificuldades, mas não nos faltava o essencial para sobreviver. Eu gostava de estudar e sempre tinha notas boas, o que dava muito orgulho para meus pais, avós e tios. Meu pai sempre muito exigente só aceitava notas acima de oito no boletim. Todo fim de bimestre eu tinha que lhe apresentar o boletim e dar explicações, caso a nota fosse menor que oito. Que eram raras. Apenas matemática, que eu tinha uma dificuldade natural; não me dava bem com os números. Raiz quadrada, logaritmo, geometria para mim era um mistério completo. A trigonometria? Um enigma. Eu fazia todos os cálculos e depois refazia todas as operações, mais ou menos vinte vezes, ai que dificuldade. Sempre em clima de ansiedade porque precisava me sair bem nos estudos. Meu Deus, como me sentia mal quando não atingia a média e precisava fazer uma segunda chamada. Muitas vezes eu chorava, enterrando a cabeça no travesseiro para que meus pais não ouvissem – nossa casa nessa época não tinha forro no teto, deitada na cama via as ripas entre as telhas que cobriam a casa e apenas paredes dividiam os cômodos que não tinham portas, apenas os portais, a porta era uma cortina que minha mãe confeccionava em renda ou crochê, e por sinal, muito bonita.
Quando isso acontecia encontrava consolo em poucas coisas. Na pequena horta que meu pai e minha avó cultivavam ao lado de casa, cuidando e regando as flores da minha mãe ou então brincava com um vira lata de estimação. Ouvia um rádio de pilha, porque a televisão era apenas a noite, meu pai sempre dizia que consumia muita energia e que era preciso economizar. Meu herói predileto era o Zorro, um cavaleiro mascarado montado em um cavalo branco que surgia de algum lugar e num instante liquidava os bandidos e ,salvava a mocinha.
Verdade que a vida não era aquilo. A vida era a obediência a meu pai e minha avó porque a minha mãe, coitada, trabalhava tanto no sítio que não tinha sequer um tempo para exigir as tarefas dos filhos, o trabalho em casa, a briga com meus irmãos e primos, e as equações. A vida era a escola. Que eu gostava porque era uma escola grande; funcionava em um prédio antigo, no centro da cidade. O diretor era um senhor alto e gordo, administrava a escola com mão de ferro, de acordo com a época, a ditadura, onde a disciplina era a palavra de ordem. Duas vezes por ano, no Onze de Julho e Sete de setembro, desfilávamos, junto com outras escolas pelas ruas da cidade. No calendário escolar marcava uma data máxima. O diretor e o inspetor cuidavam de todos os detalhes, desde os uniformes até as músicas que a fanfarra tocava, queria mostrar ao público e principalmente às autoridades, uma imagem de perfeita organização. Alguns meses antes estávamos ensaiando para o desfile, marchando, fazendo belíssimas evoluções quatro, cinco quarteirões, muitas vezes, nas proximidades da escola todos os dias.
Eu gostava da minha escola. A aula, o tempo passava, voava. Via o recreio chegar muito rápido; mas ficava ansiosa pelo fim de semana. No domingo podia sair com minha tia, que ia para um clube à beira do Rio Paraná tomar banho todos os finais de semana.
Porque eu sonhava, sim... Com uma vida melhor, mais digna e, principalmente, com uma boa casa, confortável como aquela que minha tia morava, no centro da cidade, um quarto decorado com fotos dos meus artistas prediletos e todas as minhas bonecas e bichos de pelúcia. Cinema quando eu quisesse, revistas em quadrinhos, livros e um piano. E com rapazes?  - poderá questionar.
Sim, com rapazes... sim. Eu tinha uma vizinha, uma amiga, a Bete, dezoito anos, morena, cabelos longos e pretos, alta e muito bonita. Moça descontraída sempre rodeada por rapazes e eu ficava com um pouco de inveja da Bete, mas eu era muito tímida e não conseguia a mesma desenvoltura da amiga. E foi através desta amiga que conheci alguns rapazes, eram altos morenos e também descontraídos, conquistadores. Um deles gostava de velocidade, de música e som muito alto. Mas não era nele que eu pensava, nem em Terence Hill nos seus lindos olhos azuis, cujo retrato, recortado eu guardava no meio dos meus cadernos. Mas quem era, então, o rapaz de meus sonhos? Eu não sabia, e aquilo me deixava angustiada, mas não era como uma coisa ruim era uma angústia boa, angústia que me arrancava, do fundo do peito, um suspiro. Eu suspirava muito aos dezessete anos. Era por alguém que meus suspiros saiam do peito; mas quem? Quem?
Só mais tarde, ... enfim descobri.